É necessária a constituição definitiva do crédito tributário para configurar crime de descaminho
Para configuração do crime de descaminho, é
necessária a prévia constituição do crédito tributário na esfera
administrativa. Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal contra duas pessoas
denunciadas pelo crime previsto no artigo 334 do Código Penal (CP).
Segundo os ministros, é inadmissível o uso da ação penal antes da
conclusão do procedimento administrativo.
Os denunciados foram
encontrados com mercadorias estrangeiras introduzidas irregularmente em
território nacional, sem recolhimento dos impostos devidos. Eles traziam
mercadorias nos valores de R$ 12.776,48 e R$ 17.085,41. Outros dois
corréus, com produtos nos valores de R$ 9.185,70 e R$ 8.350,64, também
foram denunciados pelo mesmo crime, mas a denúncia contra eles foi
rejeitada com base no princípio da insignificância.
Inconformada,
a Defensoria Pública da União impetrou habeas corpus no Tribunal
Regional Federal da 4ª Região (TRF4), sustentando que não houve prévia
constituição do crédito tributário no âmbito administrativo, o que
impediria o início da ação penal. O tribunal denegou a ordem, ao
concluir que a constituição do crédito não seria condição de
punibilidade.
No STJ, os recorrentes buscaram o provimento do
recurso ordinário em habeas corpus, “para determinar o trancamento
definitivo do processo penal, em relação ao suposto delito de
descaminho”.
Jurisprudência
O ministro
relator, Marco Aurélio Bellizze, lembrou que o Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiu que “a pendência de procedimento administrativo fiscal
impede a instauração da ação penal, bem como de inquérito policial,
relativos aos crimes contra a ordem tributária, já que a consumação dos
delitos somente ocorre após a constituição definitiva do crédito
tributário”.
De acordo com a Súmula Vinculante 24 do STF, não se
tipifica crime material contra a ordem tributária antes do lançamento
definitivo do tributo. Para Bellizze, diante dessa súmula, a
constituição definitiva do crédito tributário não pode ser dispensada na
configuração do delito de descaminho.
O ministro ressaltou que
há na doutrina posição que considera o não pagamento do tributo
suficiente para a consumação do crime de descaminho, que seria um delito
formal. Mas ele discorda. “O direito penal só deve intervir nos casos
de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes”, afirmou.
Para
Bellizze, ao tipificar o delito de descaminho, o intuito do legislador
foi o de evitar o não recolhimento do imposto devido. “Quitando-se o
tributo devido, descaracteriza-se o delito de descaminho”, ponderou.
Procedimento administrativo
Atento
à similitude existente entre o delito de descaminho e os crimes contra a
ordem tributária, o STJ passou a adotar decisões no sentido de que é
possível extinguir a punição pelo pagamento do tributo, nos casos de
crimes descritos no artigo 334 do CP. Portanto, segundo Bellizze, é
inaceitável a utilização da ação penal como forma de forçar o acusado a
pagar tributo antes do fim do processo administrativo fiscal.
Segundo
o voto do ministro, para que o fisco exija o valor devido a título de
tributo, é necessária a realização de procedimento administrativo, para
verificar o fato que gerou a obrigação, calcular o tributo devido e
identificar o sujeito passivo, e, se for o caso, propor a aplicação da
penalidade.
O relator ressaltou que apenas a autoridade
administrativa tem competência para avaliar a existência do tributo.
Além disso, o contribuinte tem o direito de discutir,
administrativamente, se realmente há o tributo e, se for vencido, ele
poderá ser intimado a pagar o valor devido, dentro de 30 dias.
O
ministro citou que, em consulta ao site da Secretaria da Receita
Federal – Seção de Controle e Acompanhamento Tributário, confirmou-se
que ainda não foram avaliados os recursos administrativos apresentados
pela defesa dos recorrentes. Por essa razão, a Turma deu provimento ao
recurso em habeas corpus para trancar a ação penal.
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